Cor, beleza e tudo relativo
Quando se muda de cultura, muda-se
também a forma como olhamos para a nossa e acima de tudo como olhamos para nós.
E comecei a notar isso quando ouvia comentários como:
“É mesmo à português!” ou “Aquela
pessoa é portuguesa”.Comecei a ter certeza quando me ouvia
a explicar a minha cultura e o meu país.
“Em Portugal é assim...” ou “Lá estou
eu em modo tuga!”Estranho, mas interessante.
Comecei a dar mais atenção a esta
questão e... tudo é tão relativo.Comecemos pela questão da cor da pele.
Ora, no meu país ser bonita é estar
bronzeada. Há uma corrida louca ao sol e às praias. Horas e horas ao sol,
porque se é Verão há que estar com uma bela cor e a mulher fica mais sexy, e
mais daquelas balelas de beleza e coisa e tal.
Aqui o conceito mulher não é
diferente. Em terras tropicais, como Filipinas ou Tailândia, muda o querer ser
morena, porque já o são. Muda a táctica, muda a cor. Em terras exóticas e de
praias, onde até a pessoa mais resistente a “fazer praia”, se quer pôr ao sol,
as mulheres andam vestidas e escomdem-se do sol... porque querem ser brancas.Nas ruas de Macau, quando sol aquece e
se mostra todo poderoso o belo do chapéu de chuva sai à rua, porque há medo que
a pele escureça.
A mim irrita-me tanto chapéu de chuva!
No entanto, esta vontade de ser
branca, faz-me pela primeira vez sentir-me uma criatura bonita. E porquê?
Porque sou branca. E mais branca que eu não é fácil. Tem vezes que acordo e
quando me olho ao espelho parece que morri. Só vejo a alma.
No meu país apontavam-me o dedo e
nunca estava suficientemente bronzeada.
- Claro, eu não fico bronzeada.
Aqui parece que me encaixo. É preciso
atravessar o globo para finalmente viver em paz com o meu tom de pele, ou
melhor, a ausência dele.
Nunca pensei muito nisto, mas claro,
de tanto ouvir a mesma lenga-lenga, uma pessoa acaba inevitavelmente por achar
que está mal. Afinal, é tudo relativo.Na Tailândia vivi numa espécie de
bairro de lata num cenário colorido e bem típico ao jeito das margens do rio da grande Bangkok.
Cheio de gente boa e de sorriso nos lábios. Pessoas que fazem da Tailândia o
nosso imaginário, pessoas que fazem da Tailândia a terra dos sorrisos.
Quando cheguei lembro-me de ver uma
senhora já com um rosto marcado pela idade. Lembro-me dela, porque estava
descontraída à porta da loja da amiga, a beber uma cervejinha e a rir. E em
inglês diz-me:
- Tão linda! Tão branca!
E disse tão alto que mais senhoras se
aproximaram. Começaram a tocar-me, a dar beijos e a oferecer cerveja. Quando
olhei para a minha amiga, dona da casa onde estava, ela ria-se e disse-me:
- Tu és branca e elas estão
deslumbradas contigo. És exótica.
- Eu? Exótica?
Nunca tinha pensado nesta perspectiva. Sempre
achei que as mulheres, em especial as da Tailândia, eram lindas. Cabelos
negros, olhos amendoados e uma corzinha tão sexy.- Os exóticos são eles, não eu. Ou
sou?
Sou, porque sou eu que estou em terra
que não é a minha, sou eu que tenho feições diferentes, sou eu que tenho uma
cor diferente.
Depois fui reparando, que à noite, as
senhoras se juntavam à porta da loja, partilhavam comida, uns copinhos de
cerveja e um pó branco que passavam pelo corpo. Não o pó branco da droga,
atenção, mas um produto que supostamente faz clarear a pele. E isto é tão
vincado na cultura que querer comprar um simples creme hidratante ou gel duche
não é uma tarefa fácil. Tudo é branqueador de pele. E se resultar não é
definitivamente bom para quem já é tão branco.
Ser bonito aqui é ser branco. Em Macau
ser bonito é ter tudo grande.- Tu és tão linda. Tens tudo grande! –
ouço.
Desde pequena que sofri com a minha
altura, era sempre a maior da turma, era sempre a maior do grupo. Sempre me
achei um organismo grande. E não só em altura, da cabeça às pernas, porque os pés
são estranhamente pequenos.
O nariz é comprido, os seios volumosos,
as ancas largas e pernas até ao rabo.
Em terra de pequena estatura tudo isto
aumenta, até os pés. Passei a calçar mais e passei a ter dificuldade em
encontrar roupa. Uma verdadeira Gulliver. E nunca me vou esquecer da tarde em
que me tornei tão ciente de tal facto.
Andava num périplo pelas lojas da
baixa da cidade, o Leal Senado. Precisava urgentemente de roupa, não tinha
trazido muita e alguma estava já apertada, confesso. Entretanto vejo uma loja
com umas saias simples, mas engraçadas – o que não é fácil. A moda aqui tem
muito que se lhe diga.
“Em Portugal é assim...” ou “Lá estou eu em modo tuga!”Estranho, mas interessante.
Comecei a dar mais atenção a esta questão e... tudo é tão relativo.Comecemos pela questão da cor da pele.
Ora, no meu país ser bonita é estar bronzeada. Há uma corrida louca ao sol e às praias. Horas e horas ao sol, porque se é Verão há que estar com uma bela cor e a mulher fica mais sexy, e mais daquelas balelas de beleza e coisa e tal.
Aqui o conceito mulher não é diferente. Em terras tropicais, como Filipinas ou Tailândia, muda o querer ser morena, porque já o são. Muda a táctica, muda a cor. Em terras exóticas e de praias, onde até a pessoa mais resistente a “fazer praia”, se quer pôr ao sol, as mulheres andam vestidas e escomdem-se do sol... porque querem ser brancas.Nas ruas de Macau, quando sol aquece e se mostra todo poderoso o belo do chapéu de chuva sai à rua, porque há medo que a pele escureça.
A mim irrita-me tanto chapéu de chuva!
No meu país apontavam-me o dedo e nunca estava suficientemente bronzeada.
- Claro, eu não fico bronzeada.
Aqui parece que me encaixo. É preciso atravessar o globo para finalmente viver em paz com o meu tom de pele, ou melhor, a ausência dele.
Nunca pensei muito nisto, mas claro, de tanto ouvir a mesma lenga-lenga, uma pessoa acaba inevitavelmente por achar que está mal. Afinal, é tudo relativo.Na Tailândia vivi numa espécie de bairro de lata num cenário colorido e bem típico ao jeito das margens do rio da grande Bangkok. Cheio de gente boa e de sorriso nos lábios. Pessoas que fazem da Tailândia o nosso imaginário, pessoas que fazem da Tailândia a terra dos sorrisos.
Sou, porque sou eu que estou em terra que não é a minha, sou eu que tenho feições diferentes, sou eu que tenho uma cor diferente.
Depois fui reparando, que à noite, as senhoras se juntavam à porta da loja, partilhavam comida, uns copinhos de cerveja e um pó branco que passavam pelo corpo. Não o pó branco da droga, atenção, mas um produto que supostamente faz clarear a pele. E isto é tão vincado na cultura que querer comprar um simples creme hidratante ou gel duche não é uma tarefa fácil. Tudo é branqueador de pele. E se resultar não é definitivamente bom para quem já é tão branco.
Ser bonito aqui é ser branco. Em Macau ser bonito é ter tudo grande.- Tu és tão linda. Tens tudo grande! – ouço.
O nariz é comprido, os seios volumosos, as ancas largas e pernas até ao rabo.
Em terra de pequena estatura tudo isto aumenta, até os pés. Passei a calçar mais e passei a ter dificuldade em encontrar roupa. Uma verdadeira Gulliver. E nunca me vou esquecer da tarde em que me tornei tão ciente de tal facto.
Andava num périplo pelas lojas da baixa da cidade, o Leal Senado. Precisava urgentemente de roupa, não tinha trazido muita e alguma estava já apertada, confesso. Entretanto vejo uma loja com umas saias simples, mas engraçadas – o que não é fácil. A moda aqui tem muito que se lhe diga.
Uma menina veio ter comigo. Não foi
preciso falar a mesma língua para entender que ela me estava a dizer que eu era
muito larga. E disse com as sombracelhas torcidas “Mo, mo”, que em cantonense
significa “Não, não”. Mas, uma negação daquelas digna de uma
retirada à francesa – sair sem dizer nada. E nunca mais voltei àquela
loja.
O que não tem remédio, remediado está.
A solução foi pedir à minha mãe que enviasse as minhas roupas. Couberam em duas pequenas caixas dos
CTT. Não tinha muitas, não. Faltei a muitas idas às compras.
A chegada da encomenda fez de mim uma
pessoa feliz. Abria-as. Um momento único. Ver as minhas velhas roupas ali,
roupa que me servia. Senti-se voltar para perto de quem era.
Mas, não encolhi. Continuo a ser
grande... e aparentemente bem bonita.Quando tive a minha primeira
experiência a trabalhar com chineses, nomeadamente da China Continental, as
meninas quando me viram ficaram maravilhadas com... o meu nariz. -- O meu nariz?- Porquê? – perguntei.
- Porque é grande, é lindo. Posso
tocar? – pediu uma menina chamada Angel.
E eu deixei. E ao deixar ficámos
amigas.
Angel é uma chinesa da China, da parte
Norte. Angel foi o nome inglês que adoptou. Angel é o nome que lhe assenta como
uma luva. Bonita e doce como um anjo... e curiosa. Fazia-me muitas perguntas,
ensinava-me mandarim e falava da sua terra. Sei que lá, a comida é muito
picante e fica a quatro horas de avião daqui. Mais, perdeu-se na tradução.
Tempos mais tarde, uma outra menina,
chamada Ellie. Chinesa de Macau e muito desenrascada fala-me de dietas, do
quanto quer se magra. E eu digo-lhe:- Magra já es. És chinesa, pah...
- Sim, mas não quero ter barriga e
gostava de ser mais alta.
- Oh, vês, eu gostava de ser mais
baixa.
Ela olha para mim, abre os olhos e
responde-me:
- És doida. Tu és linda, tens tudo
grande. Gostava de ser como tu. Olha as tuas mamas...
Há comentários que não têm resposta.
Sorri. E de repente...
- Sabes, já ouvir dizer que se
fizermos massagens às mamas elas ficam maiores. Mas, já viste, não gosto da
ideia de me massajar.
Soltei uma gargalhada...
- Sempre podes estar ao espelho a
massajar-te e a dizer “ah sou tão boa!”.Ela soltou uma gargalhada...
- Goza. Tu tens tudo grande!
Eu sou grande aqui e lá. Sou branca
aqui e lá. Sou bonita aqui, porque sou grande. Sou linda, porque sou branca. Lá
não sei. Acho que gosto mais de cá, porque posso ser eu, porque não preciso de
seguir modas, nem tons de pele. Gosto mais de cá, porque posso ser diferente.
Gosto mais de cá, porque cá tudo é relativo.
Uma menina veio ter comigo. Não foi preciso falar a mesma língua para entender que ela me estava a dizer que eu era muito larga. E disse com as sombracelhas torcidas “Mo, mo”, que em cantonense significa “Não, não”. Mas, uma negação daquelas digna de uma retirada à francesa – sair sem dizer nada. E nunca mais voltei àquela loja.
O que não tem remédio, remediado está. A solução foi pedir à minha mãe que enviasse as minhas roupas. Couberam em duas pequenas caixas dos CTT. Não tinha muitas, não. Faltei a muitas idas às compras.
A chegada da encomenda fez de mim uma pessoa feliz. Abria-as. Um momento único. Ver as minhas velhas roupas ali, roupa que me servia. Senti-se voltar para perto de quem era.
Mas, não encolhi. Continuo a ser grande... e aparentemente bem bonita.Quando tive a minha primeira experiência a trabalhar com chineses, nomeadamente da China Continental, as meninas quando me viram ficaram maravilhadas com... o meu nariz. -- O meu nariz?- Porquê? – perguntei.
Angel é uma chinesa da China, da parte Norte. Angel foi o nome inglês que adoptou. Angel é o nome que lhe assenta como uma luva. Bonita e doce como um anjo... e curiosa. Fazia-me muitas perguntas, ensinava-me mandarim e falava da sua terra. Sei que lá, a comida é muito picante e fica a quatro horas de avião daqui. Mais, perdeu-se na tradução.
Tempos mais tarde, uma outra menina, chamada Ellie. Chinesa de Macau e muito desenrascada fala-me de dietas, do quanto quer se magra. E eu digo-lhe:- Magra já es. És chinesa, pah...
- Sim, mas não quero ter barriga e gostava de ser mais alta.
Soltei uma gargalhada...
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