Sabores viciantes
Antes de ter saído do seu país, Linda George
nunca tinha pensado que comer fosse algo tão particular a cada cultura. Quando
experimentava comida de outros lados, a nossa personagem definia em: gosto ou
não gosto. Quando abandonou o seu habitat natural, o encontro com outros
paladares foram acontecimentos especiais. Ainda há comida que diz não, outra
que diz um sim salivado, à Pavlov, e outras que vai tentando.
O seu palato alterou-se, há coisas que gostava e
já não consegue comer, outras que dizia nunca comer e agora adora. Na China a
comida era boa, no Cambodja o panorama foi diferente. Tanto que, duas semanas
depois, tinha emagrecido de fome.
O arroz é tudo aqui. Come-se arroz de manhã, à
noite, sete dias por semana. O acompanhamento nunca é farto, mas o arroz é a
encher. Um arroz seco, branco ou frito – uma espécie do mais conhecido por
arroz chao chao. Se gostam de um arrozinho malandro, esqueçam-se dele.
- Uma comida aborrecida.
Os pratos são pequenas porções de carne,
cortadas em tiras muito finas, o molho é sempre o mesmo.
- Tenho que dizer que a forma como cozinham o
peixe é óptima. Esse vale a pena.
Linda George depois da sua primeira ida a um
mercado local, jurou virar vegetariana... no Cambodja. A carne está disposta ao
sol, caso os mercados sejam a céu aberto, exposta a moscas e carros a passar
ali ao lado. Para não falar da salubridade de algumas ruas e ruelas. Nos espaços
fechados, as moscas estão lá e o calor do sol aquece o edifício o que sem
frigoríficos, vai dar ao mesmo. O peixe às vezes está vivo, os camarões em gelo
se mortos... lá calha nalguns sítios ter formigas ou moscas.
De resto, a fruta é abundante, com um sabor que
leva Linda à sua infância. Colher o fruto directamente da árvore.
- O sabor original – comenta.
É fartura de quantidade, qualidade e variedade.
Fruta fresca cortada, ou em batidos de crescer água na boca, é só escolher.
- O resto é enfadonho. Toujours la même chose.
Entre um primeiro contacto árduo, Linda começou
a conhecer os locais mais ocidentais, mais caros, mas uma vez ou outra é bom
matar saudades de casa. E Linda confessou que já só come arroz.
- Habituei-me. E é o melhor aqui. As noodles
também não são muito saborosas.
Mas, há um local, que marca Phnom Pehn. Uma série
de pizzarias, com vista para o rio – a zona mais turística – que têm a
particularidade de ter um ingrediente que lhes dá o nome de Happy Pizza.
Desde já esclarecer, caros leitores, que a
marijuana aqui é legal, se for usada para culinária. O resto é, como quase em
todo o lado, super ilegal.
E sim, a pizza vem com erva. Pode-se pedir Happy ou Extra Happy, depende da boa disposição que deseja. Por si, a pizza
não é das melhores, mas é saborosa e aquela especiaria dá-lhe aquele toque. Nem
que seja deliciosa apenas porque o efeito já dá de si.
Os locais não conhecem a pizza e não conhecem a
especiaria.
- Lembro-me do meu pai me dizer que era bom para
cozinhar, mas nunca tinha visto ou sequer sabia o que era – disse Kaheng a Linda.
Kaheng é um amigo local. Comparando com o mundo
ocidental, Kaheng um rapaz ingénuo, certinho, cheio de regras.
- Novo de idade, mas um grande velho de
espírito. É um homem às antigas. Eles ainda seguem muito as regras dos seus
antepassados, não há modernidade na cultura – esclareceu.
E quem melhor para desafiar, que um
rapaz certinho? – pensou Linda.
- Kaheng, qualquer dia vamos comer Happy Pizza.
- Está bem, quero experimentar.
Antigo de pensar, mas curioso por coisas novas,
o nosso Kaheng.
- Combinado. De que pizza gostas?
- Aquela com uma coisa branca por cima.
- Queijo?
- Sim, deve ser.
Todas as pizzas têm queijo. Mas, este prato italiano
não tem fãs aqui. Linda comentou que, o que lhe parece, é que este povo só
gosta da comida deles.
- Não há uma abertura a outras comidas, ou mesmo
a outras culturas.
Queijo é outro ingrediente que lhes é estranho.
- Um dia Kaheng disse-me que eles tinham queijo do
Cambodja. E mostrou-me... Queijo aqui não tem, definitivamente a definição de
terras desta iguaria. É o molho que usam para as comidas todas.
- Oh Kaheng, isto não é queijo.
- É, é.
Cada um nasce num país, evolui com ele, aprende
nele. O nosso paladar é característico de onde se vem. Ele está formatado para
desejar aquela boa comida que se faz no nosso país. E mesmo que se goste da
comida de onde se está, há sempre espaço para umas saudades da comidinha da
mãe. Comer, beber são actos culturais, que, sem dúvida, à mesa nos definem.
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