Militares indefesos
- Há uns
tempo ouvi a pergunta o que é um paradoxo. É qualquer coisa que contraria
outra, a bem dizer. Como ouvi o exemplo advogado honesto, político verdadeiro
ou, uma nova, militares que não desejam ser nada do que são.
Linda George
tem problemas com a autoridade. Não que seja uma criminosa ou que simplesmente
não goste. Há algo neles que não suporta. Não se sabe bem o porquê, talvez a
razão esteja contida em memórias de infância, ou algum trauma parental, que
tanto seduz psicólogos.
Em terras de
sua Majestade Norodom a militarização é evidente. Há polícias, há militares de
diferentes escalões e forças. Há quem se vista de camuflado, de verde, de um
castanho claro, meio estranho, e claro, de negro. As tropas especiais, a chamada
brasileira tropa de elite.
Elite, mas à
moda do Cambodja Devagar, lento ou parado. Debaixo da árvore é sempre melhor
estar, o trânsito é um caos bastante normal e crianças a mendigar é negócio.
Nem para ajudar com direcções – ler mapas é mentira, sentido de orientação é
utopia.
Linda George
teve a oportunidade de trabalhar umas semanas com a Real Força Aérea. Uma experiência que não queria,
e que no final a levou ao coração de um povo que ainda luta.
O recinto é
enorme, rodeado de verde e a ouvir os aviões que aterram ao lado, no aeroporto.
De manhã bem cedo, a agitação das motas é grande. A estrada é longa e plana e
os militares que por lá se passeiem parecem bem descontraídos nas suas
voltinhas matinais.
Ao ar livre
há um estabelecimento onde se pode comer qualquer coisa garantida de um novo
dia envenenado. O café é terrível, mas não há mais nada. As senhoras são
simpáticas e há um rapazinho gay, com as suas calças justas e camisolas às
riscas. Linda caracteriza-o como o Holy que toda a gente procura, mas em versão
pele escurecida pelo sol e bastante mais anafadinho.
- Às vezes
olhava para ele e pensava, que não havera de ser fácil estar ali rodeado de
homens musculados e ser-se gay. Mas era bastante confiante em si mesmo... um
castiço.
Depois de um
café e um cigarro Linda lá ia, apresentar-se como professora a marmanjos que
queriam ser pilotos. Militares relaxados, que devagar se deslocam para a sala
de aula e que languidamente se preparam.
Eles
gostavam de jogar volley. De manhã havia sempre duas equipas já em altos jogos.
- Um
trabalho muito militarizado, indeed.
Linda nunca
tinha antes vivido entre militares, em especial num país de terceiro mundo,
onde tudo pode acontecer se sim ou se não.
- A ideia
com que fiquei é que vida de militar é bem relaxada por estas bandas. Não sei
como é nos outros locais.
Linda não
gosta de autoridade. Não gosta de controlo. Não gostou, mas os seus marmanjos
eram tão doces, que ela teve pena de os deixar. E confessa que até hoje pede
para que não haja uma guerra.
- Aqueles
meninos não podem ir para a guerra. O coração deles é grande demais.
E assim,
Linda descreve o seu sentimento. Um coração grande. Ela conta que viu ternura,
compaixão e alguma ingenuidade nos olhos de quem um dia terá que defender o
país.
Mas que
pessoas são estas que sacrificam a vida por um Governo? A quem lhes dizem que
têm que ser militares, a quem o salário não paga nem uma renda de casa.
O desfasamento
Linda
conheceu um outro militar, desta feita, das tropas especiais. Um menino de olhos
negros intensos, de um olhar que fala mais que qualquer palavra ou acção. E que
aparentava contrariar o seu estilo de vida.
O contacto
diário aproximou-os. E a curiosidade de Linda aumentava. Tão doce, tão calmo e
conformado. Treinado para atacar com tudo o que tiver. Incapaz de o fazer.
- Quem seria
este rapaz? O que é a vida para ele?
Este rapaz
sonhou um dia ser médico. A falta de recursos levou-o às mesas de um curso de
inglês. Do curso saltou para a tropa.
- Porquê?
- Porque os
pais quiseram.
- E como te
conformas assim?
- Porque
respeito os meus pais.
Um emprego
de risco, um salário de miséria, anos passados e um não querer mais e não
poder.
Uma mente
brilhante num menino dos campos de arroz, que veio para a cidade grande à
procura de melhor futuro e queria ser doutor.
Um rapaz
curioso, que dentro da sua rigidez cultural, tem uma curiosidade que o faz
saltar para o lado ocidental.
- Tornámos-nos
amigos. Eu, ele e o Jackson. Rimos muito quando estamos juntos – diz já com um
sorriso no lábios.
E assim,
Linda teve o seu baixar de guarda a todo o homem que se farda.
- Há mais
para entender para além do que se vê.
Um relato cada vez mais interessante. De certeza que a Linda não és tu, com outro nome? Enfim, independentemente disso, estou a gostar de ler este relato. Espero pelos próximos capitulos, claro.
ResponderEliminarbaseado em factos verídicos sim, mas a personagem é criada... :) obrigada por gostares e leres...
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