Cristãos por um budista

Quanto mais mergulha na cultura Khmer, mais ondas de metros vai encontrando, que a fazem perceber, que vive num país tão diferente do seu.
Religião. É este o tema que debatemos juntas e mais uma vez, Linda tem o dom de me deixar em grandes considerações sobre a vida e tudo o que a rodeia.
Num país ocidental o fosso cultural não passa muito pela religião, se calhar. Numa Macau chinesa (é no feminino, devido ao seu nome oficial: Região Administrativa Especial de Macau) há celebrações da China, e de Portugal. Sentem-se os festejos católicos, com procissões, santos, e religiosamente se celebram as grandes datas, como Páscoa e Natal. Da China, vêm algumas tradições budistas. A parte religiosa é uma mistura de budismo, confucionismo e taoísmo, sendo estas últimas também consideradas filosofias. Fazendo assim, com que a religião na China não seja um consenso. Assim vive o chinês cheio de filosofias, e que caros leitores, às vezes apercebemo-nos que o mundo dito ocidentalizado devia adoptar.
Se o mundo asiático e o mundo ocidental se misturassem, o mundo talvez estivesse melhor, nomeadamente em valores. Não os valores da China em si, mas das suas filosofias.
Adiante.
Linda está a viver num país budista, com o qual se depara  sempre que sai à rua, no trabalho ou numa simples ida ao mercado.
- Todos os dias de manhã tenho crianças de mão em oração a dizer-me “Bom dia”. Pedem assim para ir beber água ou ir à casa-de-banho. São adoráveis.
Há respeito, há um idolatração do ser branco.
- Somos artistas pop, quase. Aqui não há aquela coisa do cinema, explicando a referência.
E há um conhecimento da religião que comanda o outro lado do mundo.
- Na vossa religião vai tudo para o inferno. Na nossa podemos fazer tudo – disse Kaheng a Linda.
É uma religião mais leve, sem dúvida. Nos olhos de um ocidental é tudo deslumbrante, por isso muitos que aqui visitam se convertem.
- Houve uma noite que comecei a ouvir os cânticos dos monges. Perguntei ao Kaheng e ele disse-me que tinha morrido alguém. Durou depois dias, de manhã à noite.  Termina com a queima do corpo. Ao terceiro dia ouvi uns sinos e uns cantares, fui à varanda e havia um cortejo onde todos estavam vestidos de branco.
Uma curiosidade: quando os monges estão nos seus cantares, apenas alguns os entendem,  visto que eles possuem uma língua própria.
- Talvez haja pessoas mais velhas que os entendam, mas os mais novos não – comentou o amigo.
Linda ficou a pensar naquilo do catolicismo e dos castigos. E Kaheng tinha a sua razão. A nossa personagem que gosta muito de fazer perguntas, às vezes com conteúdo, outras sem tento na língua – a estas chegaremos em próximos relatos – quis saber o que pensam os budistas dos católicos. Ora, Kaheng tem a ideia dos cristãos.
A história tem um enredo que recua aos tempos de universidade. Sem muito dinheiro para estudar na cidade, Kaheng viveu numa pagoda – local onde estão os monges – e para conseguir seguir os seus estudos, juntou-se a um grupo que os ensinava... eram missionários, do que pelo que Linda entendeu era espécie do Reino de Deus. Dessas muitas religiões que foram um sucesso na bolsa de valores.
- Prometeram muito, fizeram pouco – iniciou o seu testemunho em grande.
- E depois tínhamos que rezar. E juntavam-se todos para entrar numa espécie de transe e choro colectivo, às vezes, estavam uma hora a chorar. Eu não percebia aquilo e havia milagres – contou-lhe o amigo.
- A sala era pequena e quente, um dia estavamos todos lá enfiados dentro, outra vez, a chorar. Não havia espaço para mais niguém. Um calor que não se aguentava, transpirei tanto que as gotas de suor me caiam pela cara. O meu amigo cristão olhou para mim e tocou-me no ombro. Pensava que estava a chorar. Só me apeteceu rir. Loucos.
Havia também uma rapariga que agora é namorada do amigo de Linda, o Jackon. Personagem que foi missonário, andou por alguns países do mundo a ser voluntário, graças ao chorar.
Jackson é um americano todo desconcertado. Um esteriótipo bem ao estilo USA. A ele iremos mais à frente. Conheceu então a cristã do Cambodja, amiga de Kaheng. E a Linda fez-se luz sobre Jackon. O porquê de como ele é...
Agora a nossa personagem sempre que está com ele, imagina-o a chorar dentro de uma sala, completamente encaminhado.
Dias mais tarde, Kaheng e Linda estavam a almoçar numa tasca de rua, mesmo ali à beira estrada. Três mulheres aproximaram-se, uma pediu um donativo aos dois amigos, as outras duas estavam já de viola pronta e vozes afinadas para dar um show à escuteiro.
- São filipinas, não são Kaheng?
- Sim. Olha, são cristãos. Era isto.
Os dois riram-se.
Kaheng acabou por sair do choro. Um final feliz.
- Era o meu amigo, mas pedi-lhe desculpa e disse-lhe que era budista e que não ia mudar pelo que tinha assistido.
Em terra de budistas tudo é diferente. Do vestir ao pensar nada é igual. E se estamos no país deles, porque não aprender mais de como vivem as pessoas diferentes de nós? Em vez de tentar mudar, o mais sábio seria entender.
Ser budista aqui é ser gente, faz desta gente quem são e como seguem a vida. Tal como outras, o budismo tem várias ramificações. O budismo aqui, não é aquele que se pratica no Japão, por exemplo. No entanto, Kaheng não sabia que poderia haver outro busdismo que não o seu.

- Um ponto de vista de uma ocidental – rematou a nossa personagem.

Comentários

  1. Uma história bem interessante. Gostei de ler. Algo me diz que isto vai acabar em livro...

    ResponderEliminar

Enviar um comentário

Mensagens populares